segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O que Fazer com Jesus Cristo?

por C. S. Lewis

Trad. Djair Dias Filho

Reimpresso de Asking Them Questions, Third Series, editado por Ronald Selby Wright (OUP, 1950), reproduzido em Undeceptions (1971) e God in the Dock (1998).

“O que fazer com Jesus Cristo?”. Esta é uma questão que tem, em certo sentido, um lado desesperadoramente cômico. A figura de uma mosca sentada decidindo o que vai fazer com um elefante possui elementos cômicos. Pois a verdadeira questão não é sobre o que nós vamos fazer com Jesus Cristo, mas o que Ele vai fazer conosco. Contudo, talvez, o questionador quis dizer o que fazer com Ele no sentido de “como resolveremos o problema histórico a nós lançado pelos ditos e feitos registrados desse Homem?”. Esse problema envolve reconciliar duas coisas. Por um lado, tem-se a quase geralmente admitida profundidade e sanidade de Seu ensino moral, que não é muito seriamente questionado, mesmo por aqueles que se opõem ao Cristianismo. Na realidade, acho que, quando estou discutindo com pessoas extremamente anti-Deus, elas preferem fazer o seguinte apontamento: “Sou inteiramente a favor do ensino moral do Cristianismo” – e parece ser de aceitação geral que, no ensino desse Homem e de Seus seguidores imediatos, a verdade moral é exposta da maneira mais pura e melhor. Não é idealismo desleixado, é cheia de sabedoria e argúcia. O seu todo é realista, revigorado ao mais alto nível, o produto de uma mente sã. Este é um fenômeno.

O outro fenômeno é a natureza muito espantosa dos comentários teológicos desse Homem. Todos vocês entendem o que digo, e quero realmente ressaltar o ponto de que a afirmação espantosa que esse Homem parece fazer não é feita meramente em um momento de Sua carreira. Há, é claro, aquele momento que levou à Sua execução. O momento em que o sumo sacerdote Lhe disse: “Quem és tu?”. “Eu sou o Ungido, o Filho do Deus eterno, e me verás aparecendo no fim da história como o juiz do Universo”. Mas tal afirmação, de fato, não termina nesse momento dramático. Quando se olha para Sua conversa, será encontrado esse tipo de afirmação presente em toda a história. Por exemplo, Ele caminhava dizendo a pessoas: “Eu perdôo os teus pecados”. Ora, é bastante natural que um homem perdoe algo que se faça a ele. Assim, se alguém me trapaceia em cinco libras, é bastante possível e razoável para mim dizer: “Bem, eu lhe perdôo, não tocamos mais no assunto”. O que você diria se alguém a você devesse cinco libras e eu dissesse: “Tudo bem, eu perdôo a ele”? Daí, parece que algo curioso escapa quase por acidente. Em uma ocasião, esse Homem está sentado em um monte observando Jerusalém e de repente surge um extraordinário comentário: “Sempre vos envio profetas e sábios”. Ninguém comenta sobre isso. No entanto, muito repentinamente, quase incidentalmente, Ele está afirmando ser o poder que, pelos séculos, tem enviado sábios e líderes ao mundo. Eis aí outro comentário curioso: em quase todas as religiões existem desagradáveis observâncias como o jejum. Esse Homem, de repente, comenta em certa feita: “Ninguém precisa jejuar enquanto eu estiver aqui”. Quem é esse Homem que observa que Sua mera presença suspende todas as regras normais? Quem é essa pessoa que pode, de repente, dizer à Escola que eles podem ter um período de meio-feriado? Às vezes, as declarações propõem a suposição de que Ele, o Orador, é completamente sem pecado ou culpa. Essa sempre é a atitude. “Vós, para os quais eu falo, são todos pecadores”, e Ele nunca, sequer remotamente, sugere que a mesma reprovação pode ser dirigida contra Ele. Ele diz novamente: “Sou o unigênito Filho do Único Deus; antes que Abraão existisse, Eu sou” (e lembre-se o que as palavras “Eu sou” significavam em hebraico. Eram o nome de Deus, que não devia ser falado por qualquer ser humano, nome que, se declarado, condenava à morte).

Bem, esse é o outro lado. De um lado, ensino moral claro, definido. De outro, afirmações que, se não verdadeiras, são as de um megalomaníaco, comparadas com as de que Hitler era o mais são e humilde dos homens. Não há meio-caminho e não há paralelo em outras religiões. Se você tivesse ido até Buda e lhe perguntasse: “Tu és o filho de Brahma?”, ele teria dito: “Filho meu, ainda estás no vale da ilusão”. Se você tivesse ido até Sócrates, e lhe perguntasse: “Tu és Zeus?”, ele teria rido de você. Se você tivesse ido até Maomé e lhe perguntasse: “Tu és Alá?”, ele teria primeiramente rasgado as próprias vestes e, depois, decepado sua cabeça. Se você tivesse perguntado a Confúcio: “Tu és o Céu?”, acho que ele teria provavelmente replicado: “São de mau gosto comentários estranhos à natureza”. A idéia de um grande mestre moral dizendo o que Cristo disse está fora de cogitação. Em minha opinião, a única pessoa que pode dizer aquele tipo de coisa é ou Deus, ou um completo lunático sofrendo daquela forma de ilusão que solapa toda a mente do homem. Se você acha que é um ovo cozido, enquanto está procurando uma fatia de torrada para lhe cair bem[1], talvez você seja são, mas se você pensa que é Deus, não restam chances para você. Podemos notar, de passagem, que ele nunca foi considerado como um mero mestre moral. Ele não produziu esse efeito em qualquer das pessoas com quem Ele realmente encontrou. Ele produziu principalmente três efeitos: Ódio, Terror, Adoração. Não há resquícios de pessoas expressando aprovação moderada.

O que fazer para reconciliarmos os dois fenômenos contraditórios? Uma tentativa consiste em dizer que o Homem não disse realmente essas coisas, mas que Seus seguidores exageraram a história, e assim desenvolveu-se a lenda de que Ele lhes havia dito aquilo. Isso é difícil, pois Seus seguidores eram todos judeus; isto é, eles pertenciam à nação que, dentre todas as outras, era a mais convicta de que havia somente um Deus – de que não poderia existir outro. É muito estranho que tal terrível invenção sobre um líder religioso tivesse se desenvolvido no meio do povo, na face da terra, menos propenso a cometer esse engano. Pelo contrário, temos a impressão de que nenhum de Seus seguidores imediatos ou mesmo os escritores do Novo Testamento apegaram-se tão facilmente à doutrina.

Outro ponto é que, segundo essa visão, seria preciso considerar as narrativas do Homem como sendo lendas. Ora, como historiador literário, eu estou perfeitamente convencido de que, o que quer que os Evangelhos sejam, eles não são lendas. Tenho lido um grande número de lendas, e estou bastante certo de que eles não são o mesmo tipo de coisa. Não são artísticos o suficiente para serem lendas. De um ponto de vista imaginativo, eles são desajeitados, não se conectam a coisas adequadamente. A maior parte da vida de Jesus nos é totalmente desconhecida, assim como é a vida de qualquer um que viveu naquele tempo, e nenhuma pessoa construindo uma lenda permitiria que assim o fosse. Exceto por pedaços dos diálogos platônicos, não há conversas que conheço, na literatura antiga, como o Quarto Evangelho. Não há nada, mesmo na literatura moderna, até aproximadamente cem anos atrás, quando o romance realista veio à existência. Na história da mulher apanhada em adultério, é-nos dito que Cristo se curvou e rabiscou na areia com Seu dedo. Nada advém disso. Ninguém jamais baseou qualquer doutrina nisso. E a arte de inventar detalhezinhos irrelevantes para tornar mais convincente uma cena imaginária é uma arte puramente moderna. Ter realmente acontecido não seria, claramente, a única explicação dessa passagem? O escritor expôs a situação dessa maneira, simplesmente porque a havia visto.

Então, chegamos à mais estranha história de todas, a história da Ressurreição. É muito necessário deixá-la clara. Ouvi um homem dizer: “A importância da Ressurreição é que ela dá evidências de sobrevivência, evidências de que a personalidade humana sobrevive à morte”. Para essa visão, o que aconteceu com Cristo seria o que havia sempre acontecido com todos os homens, a diferença sendo que, no caso de Cristo, fomos privilegiados de ver tudo acontecendo. Isso é, certamente, não o que os escritores cristãos primitivos pensavam. Algo perfeitamente novo na história do Universo acontecera. Cristo havia vencido a morte. A porta que sempre estivera trancada foi, pela primeira vez, deixada escancarada. Isso é bem distinto de mera sobrevivência do espírito. Não quero dizer que eles desacreditavam na sobrevivência do espírito. Pelo contrário, eles acreditavam nisso tão firmemente que, em mais de uma ocasião, Cristo teve de assegurar-lhes de que Ele não era um espírito. O ponto é que, enquanto acreditavam na sobrevivência, ainda consideravam a Ressurreição como algo totalmente diferente e novo. As narrativas da Ressurreição não são um retrato de sobrevivência após a morte; registram como um modo de ser totalmente novo surgiu no Universo. Algo novo apareceu no Universo: tão novo como o primeiro surgimento de vida orgânica. Esse Homem, após a morte, não fica dividido em “espírito” e “cadáver”. Um novo modo de ser surgira. Essa é a história. O que fazer com ela?

A questão é, suponho, se qualquer hipótese cobre os fatos tão bem quanto a hipótese cristã. Essa hipótese é a de que Deus desceu até o Universo criado, até a humanidade – e subiu novamente, puxando-a consigo. A hipótese alternativa não é lenda, nem exagero, nem as aparições de um espírito. É loucura ou mentiras. A menos que alguém possa aceitar a segunda alternativa (e eu não posso), volta-se para a teoria cristã.

“O que fazer com Jesus Cristo?” Não existe questão quanto ao que podemos fazer com Ele, é inteiramente uma questão de o que Ele pretende fazer conosco. Você deve aceitar ou rejeitar a história.

As coisas que Ele diz são muito diferentes das que qualquer outro mestre disse. Outros dizem: “Esta é a verdade sobre o Universo. É por este caminho que deveríeis ir”, mas Ele diz: “Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida”. Ele diz: “Nenhum homem pode alcançar a realidade absoluta, a não ser por Mim. Se tentares reter tua própria vida, serás inevitavelmente arruinado. Dá de ti mesmo, e serás salvo”. Ele diz: “Se te envergonhas de Mim, se, quando ouves este chamado, tu te voltas para o outro lado, Eu também olharei para o outro lado quando voltar como Deus, sem disfarce. Se algo está te afastando de Deus e de Mim, o que quer que seja, lança isso fora. Se é teu olho, arranca-o. Se é tua mão, decepa-a. Se te colocares em primeiro lugar, serás o último. Venham a Mim todos os que carregam um fardo pesado, e Eu consertarei esse problema. Teus pecados, todos eles, são apagados, Eu posso fazer isso. Eu sou Renascimento, Eu sou Vida. Come-Me, bebe-Me, Eu sou Tua comida. E, finalmente, não temas, Eu venci o Universo inteiro”. Essa é a questão.

Nota

1. Torrada com ovo cozido, refeição tipicamente inglesa. (Nota do Tradutor)

C. S. LEWIS, ‘What are we to make of Jesus Christ?’, In: ____________. C. S. Lewis – Essay Collection: Faith, Christianity and the Church. Londres: HarperCollins, 2002.

Extraído de http://www.apologia.com.br/

sábado, 19 de dezembro de 2009

Onde Você Vai Passar a Eternidade?

por Ronaldo Guedes Beserra

A morte física é o fim de nossa existência? De acordo com a Palavra de Deus, a resposta é um sonoro “não”! Não é necessário ser teólogo, nem mesmo um profundo conhecedor da Bíblia, para se perceber que nós somos constituídos basicamente de duas partes: a material e a imaterial. A parte material constitui-se de nosso corpo, nosso físico. A parte imaterial constitui-se de nossa alma, nosso espírito. É a alma do ser humano que lhe dá vida, que lhe torna um ser animado, pois quando alguém morre e sua alma se separa de seu corpo, o corpo fica sem vida, inerte, inanimado. Após a morte, o corpo é sepultado, volta ao pó, como disse Deus a Adão em Gênesis 3.19: “... porque tu és pó e ao pó tornarás”. Mas, e a alma, o espírito, cessa de existir após a morte física? A resposta é não. Jesus ensinou várias vezes sobre a ressurreição e a vida eterna. Em um desses ensinamentos Ele disse: “... quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (João 5.24). Observe que este texto prevê tanto a possibilidade de vida eterna como a possibilidade do juízo! Gostaria de mostrar-lhe alguns passos que o ser humano deve tomar para vir a herdar a vida eterna:

Reconhecer que é um pecador

A Palavra de Deus diz: “... pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Se não reconhecermos que somos pecadores, não poderemos herdar a vida eterna!

Se arrepender de seus pecados

Jesus disse: “... arrependei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1.15). Não basta reconhecermos que somos pecadores, é necessário também arrepender-se de nossos pecados. Arrepender-se significa contrição, significa mudar de procedimento, de parecer. Alguns até reconhecem que são pecadores, mas não querem se arrepender e mudar de vida, preferem continuar na lama do pecado. Todavia, a verdade tem de ser dita: sem arrependimento, não há possibilidade de se herdar a vida eterna.

Entender que por seus próprios esforços não pode salvar-se

A Palavra de Deus diz: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8,9). A Bíblia ensina que a vida eterna não se pode conquistar pela realização de boas obras e sim pela fé em Jesus Cristo. As boas obras devem ser o resultado da salvação e não a condição para a salvação. Nós realizamos boas obras porque somos salvos e não para sermos salvos.

Crer que somente Jesus é o caminho para a salvação

Jesus disse: “Eu sou o caminho ... ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14.6). Muitos estão tentando chegar até Deus por muitos caminhos ou mediadores que não são reconhecidos como corretos pela Palavra de Deus. As Escrituras dizem: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem ...” (1 Timóteo 2.5). Se alguém tenta chegar-se a Deus por outro caminho ou mediador que não seja Jesus, infelizmente não herdará a vida eterna.

Pense seriamente na questão da vida eterna enquanto há tempo. Volte-se para Deus, antes que seja tarde demais. Onde você vai passar a eternidade?

Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia

NOTA: Esta foi a Declaração que deu origem ao Concílio Internacional sobre Inerrância Bíblica (ICBI - International Council on Biblical Inerrancy), um esforço comum inter-denominacional de centenas de eruditos e líderes evangélicos para defender a inerrância bíblica contra os conceitos da Escritura de tendência liberal e neo-ortodoxa.

A Declaração foi produzida Hyatt Regency O'Hare, em Chicago, no verão de 1978, durante uma conferência internacional suprema de líderes evangélicos interessados. Ela foi assinada por aproximadamente 300 eruditos evangélicos famosos, incluindo Boice, Norman L. Geisler, John Gerstner, Carl F. H. Henry, Kenneth Kantzer, Harold Lindsell, John Warwick Montgomery, Roger Nicole, J.I. Packer, Robert Preus, Earl Radmacher, Francis Schaeffer, R.C. Sproul e John Wenham.

A ICBI se despediu em 1988 com sua obra completa. O congresso no final das contas produziu três maiores declarações: esta sobre inerrância bíblica, em 1978; uma sobre hermenêutica bíblica, em 1982, e uma sobre aplicação bíblica, em 1986.

A Declaração a seguir discorre sobre a doutrina da inerrância das Escrituras, esclarecendo-nos sobre o que isso vem a ser e advertindo-nos contra a sua negação. Estamos convencidos de que negá-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus. Diante da enxurrada de desvios doutrinários que tem invadido a Igreja, é dever de cada crente manter-se firmemente apegado à Escritura, tendo como certa a sua suficiência e a sua inerrância.

A Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia

Prefácio

A autoridade das Escrituras é um tema chave para a igreja cristã, tanto desta quanto de qualquer outra época. Aqueles que professam fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador são chamados a demonstrar a realidade de seu discipulado cristão mediante obediência humilde e fiel à Palavra escrita de Deus. Afastar-se das Escrituras, tanto em questões de fé quanto em questões de conduta, é deslealdade para com nosso Mestre. Para que haja uma compreensão plena e uma confissão correta da autoridade das Sagradas Escrituras é essencial um reconhecimento da sua total veracidade e confiabilidade.

A Declaração a seguir afirma sob nova forma essa inerrância das Escrituras, esclarecendo nosso entendimento a respeito dela e advertindo contra sua negação. Estamos convencidos de que nega-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus, submissão esta que caracteriza a verdadeira fé cristã. Entendemos que é nosso dever nesta hora fazer esta afirmação diante dos atuais desvios da verdade da inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do entendimento errôneo que esta doutrina tem tido no mundo em geral.

Esta Declaração consiste de três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação, e uma Explanação. Preparou-se a Declaração durante uma consulta de três dias de duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias convicções através dos debates que tivemos juntos, e oramos para que esta Declaração que assinamos seja usada para a glória de Deus com vistas a uma nova reforma na Igreja no que tange a sua fé, vida e missão.

Apresentamos esta Declaração não num espírito de contenda, mas de humildade e amor, o que, com a graça de Deus, pretendemos manter em qualquer diálogo que, no futuro, surja daquilo que dissemos. Reconhecemos (...) que muitos que negam a inerrância das Escrituras não apresentam em suas crenças e comportamento as conseqüências dessa negação, e estamos conscientes de que nós, que confessamos essa doutrina, freqüentemente a negamos em nossa vida, por deixarmos de trazer nossos pensamentos e orações, tradições e costumes, em verdadeira sujeição à Palavra divina.

Qualquer pessoa que veja razões, à luz das Escrituras, para fazer emendas às afirmações desta Declaração sobre as próprias Escrituras (sob cuja autoridade infalível estamos, enquanto falamos), é convidada a fazê-lo. Não reivindicamos qualquer infalibilidade pessoal para o testemunho que damos, e seremos gratos por qualquer ajuda que nos possibilite fortalecer este testemunho acerca da Palavra de Deus.

A COMISSÃO DE REDAÇÃO

Uma Breve Declaração

Deus, sendo Ele Próprio a Verdade e falando somente a verdade, inspirou as Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-Se à humanidade perdida, através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras Sagradas são o testemunho de Deus sobre Si mesmo.

As Escrituras Sagradas, sendo apropria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e supervisionados por Seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos os assuntos que abordam: devem ser cridas, como instrução divina, em tudo o que afirmam; obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam; aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem.

O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.

Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de Deus, quer no testemunho que dão sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas.

A autoridade das Escrituras fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância divina absoluta seja de alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa de um ponto de vista acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista da Bíblia; e tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para a Igreja.

Artigos de Afirmação e Negação

Artigo I

Afirmamos que as Sagradas Escrituras devem ser recebidas como a Palavra oficial de Deus.
Negamos que a autoridade das Escrituras provenha da Igreja, da tradição ou de qualquer outra fonte humana.

Artigo II

Afirmamos que as Sagradas Escrituras são a suprema norma escrita, pela qual Deus compele a consciência, e que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras.
Negamos que os credos, concílios ou declarações doutrinárias da Igreja tenham uma autoridade igual ou maior do que a autoridade da Bíblia.

Artigo III

Afirmamos que a Palavra escrita é, em sua totalidade, revelação dada por Deus.
Negamos que a Bíblia seja um mero testemunho a respeito da revelação, ou que somente se torne revelação mediante encontro, ou que dependa das reações dos homens para ter validade.

Artigo IV

Afirmamos que Deus, que fez a humanidade à Sua imagem, utilizou a linguagem como um meio de revelação.Negamos que a linguagem humana seja limitada pela condição de sermos criaturas, a tal ponto que se apresente imprópria como veículo de revelação divina. Negamos ainda mais que a corrupção, através do pecado, da cultura e linguagem humanas tenha impedido a obra divina de inspiração.

Artigo V

Afirmamos que a revelação de Deus dentro das Sagradas Escrituras foi progressiva.Negamos que revelações posteriores, que podem completar revelações mais antigas, tenham alguma vez corrigido ou contrariado tais revelações. Negamos ainda mais que qualquer revelação normativa tenha sido dada desde o término dos escritos do Novo Testamento.

Artigo VI

Afirmamos que a totalidade das Escrituras e todas as suas partes, chegando às próprias palavras do original, foram por inspiração divina.
Negamos que se possa corretamente falar de inspiração das Escrituras, alcançando-se o todo mas não as partes, ou algumas partes mas não o todo.

Artigo VII

Afirmamos que a inspiração foi a obra em que Deus, por Seu Espírito, através de escritores humanos, nos deus Sua palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo como se deu a inspiração permanece em grande parte um mistério para nós.
Negamos que se possa reduzir a inspiração à capacidade intuitiva do homem, ou a qualquer tipo de níveis superiores de consciência.

Artigo VIII

Afirmamos que Deus, em Sua obra de inspiração, empregou as diferentes personalidades e estilos literários dos escritores que Ele escolheu e preparou.
Negamos que Deus, ao fazer esses escritores usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha passado por cima de suas personalidades.

Artigo IX

Afirmamos que a inspiração, embora não outorgando o­nisciência, garantiu uma expressão verdadeira e fidedigna em todas as questões sobre as quais os autores bíblicos foram levados a falar e a escrever.
Negamos que a finitude ou a condição caída desses escritores tenha, direta ou indiretamente, introduzido distorção ou falsidade na Palavra de Deus.

Artigo X

Afirmamos que, estritamente falando, a inspiração diz respeito somente ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus, pode-se determinar com grande exatidão a partir de manuscritos disponíveis. Afirmamos ainda mais que as cópias e traduções das Escrituras são a Palavra de Deus na medida em que fielmente representam o original.
Negamos que qualquer aspecto essencial da fé cristã seja afetado pela falta dos autógrafos. Negamos ainda mais que essa falta torne inválida ou irrelevante a afirmação da inerrância da Bíblia.

Artigo XI

Afirmamos que as Escrituras, tendo sido dadas por inspiração divina, são infalíveis, de modo que, longe de nos desorientar, são verdadeiras e confiáveis em todas as questões de que tratam.
Negamos que seja possível a Bíblia ser, ao mesmo tempo infalível e errônea em suas afirmações. Infalibilidade e inerrância podem ser distinguidas, mas não separadas.

Artigo XII

Afirmamos que, em sua totalidade, as Escrituras são inerrantes, estando isentas de toda falsidade, fraude ou engano.
Negamos que a infalibilidade e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos ou redentores, não alcançando informações de natureza histórica e científica. Negamos ainda mais que hipóteses científicas acerca da história da terra possam ser corretamente empregadas para desmentir o ensino das Escrituras a respeito da criação e do dilúvio.

Artigo XIII

Afirmamos a propriedade do uso de inerrância como um termo teológico referente à total veracidade das Escrituras.
Negamos que seja correto avaliar as Escrituras de acordo com padrões de verdade e erro estranhos ao uso ou propósito da Bíblia. Negamos ainda mais que a inerrância seja contestada por fenômenos bíblicos, tais como uma falta de precisão técnica contemporânea, irregularidades de gramática ou ortografia, descrições da natureza feitas com base em observação, referência a falsidades, uso de hipérbole e números arredondados, disposição tópica do material, diferentes seleções de material em relatos paralelos ou uso de citações livres.

Artigo XIV

Afirmamos a unidade e a coerência interna das Escrituras.
Negamos que alegados erros e discrepâncias que ainda não tenham sido solucionados invalidem as declarações da Bíblia quanto à verdade.

Artigo XV

Afirmamos que a doutrina da inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração.
Negamos que o ensino de Jesus acerca das Escrituras possa ser desconhecido sob o argumento de adaptação ou de qualquer limitação natural decorrente de Sua humanidade.

Artigo XVI

Afirmamos que a doutrina da inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história.
Negamos que a inerrância seja uma doutrina inventada pelo protestantismo escolástico ou que seja uma posição defendida como reação contra a alta crítica negativa.

Artigo XVII

Afirmamos que o Espírito Santo dá testemunho acerca das Escrituras, assegurando aos crentes a veracidade da Palavra de Deus escrita.
Negamos que esse testemunho do Espírito Santo opere isoladamente das Escrituras ou em oposição a elas.

Artigo XVIII

Afirmamos que o texto das Escrituras deve ser interpretado mediante exegese histórico-gramatical, levando em conta suas formas e recursos literários, e que as Escrituras devem interpretar as Escrituras.
Negamos a legitimidade de qualquer abordagem do texto ou de busca de fontes por trás do texto que conduzam a um revigoramento, desistorização ou minimização de seu ensino, ou a uma rejeição de suas afirmações quanto à autoria.

Artigo XIX

Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de Cristo.
Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa rejeitar a inerrância sem graves conseqüências, quer para o indivíduo quer para a Igreja.

Explanação

Nossa compreensão da doutrina da inerrância deve dar-se no contexto mais amplo dos ensinos das Escrituras sobre si mesma. Esta explanação apresenta uma descrição do esboço da doutrina, na qual se baseiam nossa breve declaração e os artigos.

Criação, Revelação e Inspiração

O Deus Triúno, que formou todas as coisas por Sues proferimentos criadores e que a tudo governa pela Palavra de Sua vontade, criou a humanidade à Sua própria imagem para uma vida de comunhão consigo mesmo, tendo por modelo a eterna comunhão da comunicação dentro da Divindade. Como portador da imagem de Deus, o homem deve ouvir a Palavra de Deus dirigida a ele e reagir com a alegria de uma obediência em adoração. Além da auto-revelação de Deus na ordem criada e na seqüência de acontecimentos dentro dessa ordem, desde Adão os seres humanos têm recebido mensagens verbais dEle, quer diretamente, conforme declarado nas Escrituras, quer indiretamente na forma de parte ou totalidade das próprias Escrituras.

Quando Adão caiu, o Criador não abandonou a humanidade ao juízo final, mas prometeu salvação e começou a revelar-Se como Redentor numa seqüência de acontecimentos históricos centralizados na família de Abraão e que culminam com a vida, morte, ressurreição, atual ministério celestial e a prometida volta de Jesus Cristo. Dentro desse arcabouço, de tempos em tempos Deus tem proferido palavras específicas de juízo e misericórdia, promessa e mandamento, a seres humanos pecaminosos, de modo a conduzi-los a um relacionamento, uma aliança, de compromisso mútuo entre as duas partes, mediante o qual Ele os abençoa com dons da graça, e eles O bendizem numa reação de adoração. Moisés, que Deus usou como mediador para transmitir Suas palavras a Seu povo à época do êxodo, está no início de uma longa linhagem de profetas em cujas bocas e escritos Deus colocou Suas palavras para serem entregues a Israel. O propósito de Deus nesta sucessão de mensagens era manter Sua aliança ao fazer com que Seu povo conhecesse Seu Nome, isto é, Sua natureza, e tantos preceitos quanto os propósitos de Sua vontade, quer para o presente, que para o futuro. Essa linhagem de porta-vozes proféticos da parte de Deus culminou em Jesus Cristo, a Palavra encarnada de Deus, sendo Ele um profeta (mais do que um profeta, mas não menos do que isso), e nos apóstolos e profetas da primeira geração de cristãos. Quando a mensagem final e culminante de Deus, Sua palavra ao mundo a respeito de Jesus Cristo, foi proferida e esclarecida por aqueles que pertenciam ao círculo apostólico, cessou a seqüência de mensagens reveladas. Daí por diante, a Igreja devia viver e conhecer a Deus através daquilo que Ele já havia dito, e dito para todas as épocas.

No Sinai, Deus escreveu os termos de Sua aliança em tábuas de pedra, como Seu testemunho duradouro e para ser permanentemente acessível, e ao longo do período de revelação profética e apostólica levantou homens para escreverem as mensagens dadas a eles e através deles, junto com os registros que celebravam Seu envolvimento com Seu povo, além de reflexões éticas sobre a vida em aliança e de formas de louvor e oração em que se pede a misericórdia da aliança. A realidade teológica da inspiração na elaboração de documentos bíblicos corresponde à das profecias faladas: embora as personalidades dos escritores humanos se manifestassem naquilo que escreveram, as palavras foram divinamente dadas. Assim, aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz; a autoridade das Escrituras é a autoridade de Deus, pois Ele é seu derradeiro Autor, tendo entregue as Escrituras através das mentes e palavras dos homens escolhidos e preparados, os quais, livre e fielmente, "falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2 Pe 1.21). Deve-se reconhecer as Escrituras Sagradas como a Palavra de Deus em virtude de sua origem divina.

Autoridade: Cristo e a Bíblia

Jesus Cristo, o Filho de Deus, que é a Palavra (Verbo) feita carne, nosso Profeta, Sacerdote e Rei, é o Mediador último da comunicação de Deus ao homem, como também o é de todos os dons da graça de Deus. A revelação dada por Ele foi mais do que verbal; Ele também revelou o Pai mediante Sua presença e Seus atos. Suas palavras, no entanto, foram de importância crucial, pois Ele era Deus, Ele falou da parte do Pai, e Suas palavras julgarão ao todos os homens no último dia.

Na qualidade de Messias prometido, Jesus Cristo é o tema central das Escrituras. O Antigo Testamento olhava para Ele no futuro; o Novo Testamento olha para trás, ao vê-lo em Sua primeira vinda, e para frente em Sua segunda vinda. As Escrituras canônicas são o testemunho divinamente inspirado e, portanto, normativo, a respeito de Cristo. Deste modo, não é aceitável alguma hermenêutica em que Cristo não seja o ponto central. Deve-se tratar as Escrituras Sagradas como aquilo que são em essência: o testemunho do Pai a respeito do Filho encarnado.
Parece que o cânon do Antigo Testamento já estava estabelecido à época de Jesus. Semelhantemente, o cânon do Novo Testamento está encerrado na medida em que nenhuma nova testemunha apostólica do Cristo histórico pode nascer agora. Nenhuma nova revelação (distinta da compreensão que o Espírito dá acerca da revelação existente) será dada até que Cristo volte. O cânon foi criado no princípio por inspiração divina. A parte da Igreja foi discernir o cânon que Deus havia criado, não elaborar o seu próprio cânon. Os critérios relevantes foram e são: autoria (ou Sua confirmação), conteúdo e o testemunho confirmador do Espírito Santo.

A palavra cânon, que significa regra ou padrão, é um indicador de autoridade, o que significa o direito de governar e controlar. No cristianismo a autoridade pertence a Deus em Sua revelação, o que significa, de um lado, Jesus Cristo, a Palavra viva, e, de outro, as Sagradas Escrituras, a Palavra escrita. Mas a autoridade de Cristo e das Escrituras são uma só. Como nosso Profeta, Cristo deu testemunho de que as Escrituras não podem falhar. Como nosso Sacerdote e Rei, Ele dedicou Sua vida terrena a cumprir a lei e os profetas, até ao ponto de morrer em obediência às palavras da profecia messiânica. Desta forma, assim como Ele via as Escrituras testemunhando dEle e de Sua autoridade, de igual modo, por Sua própria submissão às Escrituras, Ele testemunhou da autoridade delas. Assim como Ele se curvou diante da instrução de Seu Pai dada em Sua Bíblia (nosso Antigo Testamento), de igual maneira Ele requer que Seus discípulos assim o façam, todavia não isoladamente, mas em conjunto com o testemunho apostólico acerca dEle, testemunho que ele passou a inspirar mediante a Sua dádiva do Espírito Santo. Desta maneira, os cristãos revelam-se servos fiéis de seu Senhor, por se curvarem diante da instrução divina dada nos escritos proféticos e apostólicos que, juntos, constituem nossa Bíblia.

Ao confirmarem a autoridade um do outro, Cristo e as Escrituras fundem-se numa única fonte de autoridade. O Cristo biblicamente interpretado e a Bíblia centralizada em Cristo e que O proclama são, desse ponto de vista, uma só coisa. Assim como a partir do fato da inspiração inferimos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz, assim também a partir do relacionamento revelado entre Jesus Cristo e as Escrituras podemos igualmente declarar que aquilo que as Escrituras dizem, Cristo diz.

Infalibilidade, Inerrância, Interpretação

As Escrituras Sagradas, na qualidade de Palavra inspirada de Deus que dá testemunho oficial acerca de Jesus Cristo, podem ser adequadamente chamadas de infalíveis e inerrantes. Estes termos negativos possuem especial valor, pois salvaguardam explicitamente verdades positivas.
Infalível significa a qualidade de não desorientar nem ser desorientado e, dessa forma, salvaguarda em termos categóricos a verdade de que as Santas Escrituras são uma regra e um guia certos, seguros e confiáveis em todas as questões.

Semelhantemente, inerrante significa a qualidade de estar livre de toda falsidade ou engano e, dessa forma, salvaguarda a verdade de que as Santas Escrituras são totalmente verídicas e fidedignas em todas as suas afirmações.

Afirmamos que as Escrituras canônicas sempre devem ser interpretadas com base no fato de que são infalíveis e inerrantes. No entanto, ao determinar o que o escritor ensinado por Deus está afirmando em cada passagem, temos de dedicar a mais cuidadosa atenção às afirmações e ao caráter do texto como sendo uma produção humana. Na inspiração Deus utilizou a cultura e os costumes do ambiente de seus escritores, um ambiente que Deus controla em Sua soberana providência; é interpretação errônea imaginar algo diferente.

Assim, deve-se tratar história como história, poesia como poesia, e hipérbole e metáfora como hipérbole e metáfora, generalização e aproximações como aquilo que são, e assim por diante. Também se deve observar diferenças de práticas literárias entre os períodos bíblicos e o nosso: visto que, por exemplo, naqueles dias, narrativas são cronológicas e citações imprecisas eram habituais e aceitáveis e não violavam quaisquer expectativas, não devemos considerar tais coisas como falhas, quando as encontramos nos autores bíblicos. Quando não se esperava nem se buscava algum tipo específico de precisão absoluta, não constitui erro o fato de ela existir. As Escrituras são inerrantes não no sentido de serem totalmente precisas de acordo com os padrões atuais, mas no sentido de que validam suas afirmações e atingem a medida de verdade que seus autores buscaram alcançar.

A veracidade das Escrituras não é negada pela aparição, no texto, de irregularidades gramaticais ou ortográficas, de descrições fenomenológicas da natureza, de relatos de afirmações falsas (por exemplo, as mentiras de Satanás), ou as aparentes discrepâncias entre uma passagem e outra. Não é certo jogar os chamados fenômenos das Escrituras contra o ensino da Escritura sobre si mesma. Não se devem ignorar aparentes incoerências. A solução delas, o­nde se possa convincentemente alcança-las, estimulará nossa fé, e, o­nde no momento não houver uma solução convincente disponível, significativamente daremos honra a Deus, por confiar em Sua garantia de que Sua Palavra é verdadeira, apesar das aparências em contrário, e por manter a confiança de que um dia se verá que elas eram enganos.

Na medida em que toda a Escritura é o produto de uma só mente divina, a interpretação tem de permanecer dentro dos limites da analogia das Escrituras e abster-se de hipóteses que visam corrigir uma passagem bíblica por meio de outra, seja em nome da revelação progressiva ou do entendimento imperfeito por parte do escritor inspirado.

Embora as Sagradas Escrituras em lugar algum estejam limitadas pela cultura, no sentido de que seus ensinos carecem de validade universal, algumas vezes estão culturalmente condicionadas pelos hábitos e pelas idéias aceitas de um período em particular, de modo que a aplicação de seus princípios, hoje em dia, requer um tipo diferente de ação (por exemplo, na questão do corte de cabelo e do penteado das mulheres, cf. 1 Co 11).

Ceticismo e Crítica

Desde a Renascença, e mais especificamente desde o Iluminismo, têm-se desenvolvido filosofias que envolvem o ceticismo diante das crenças cristãs básicas. É o caso do agnosticismo, que nega que Deus seja cognoscível; do racionalismo, que nega que Ele seja incompreensível; do idealismo, que nega que Ele seja transcendente; e do existencialismo, que nega a racionalidade de Seus relacionamentos conosco. Quanto esses princípios não bíblicos e antibíblicos infiltram-se nas teologias do homem a nível das pressuposições, como freqüentemente acontecem hoje em dia, a fiel interpretação das Sagradas Escrituras torna-se impossível.

Transmissão e Tradução

Uma vez que em nenhum lugar Deus prometeu uma transmissão inerrante da Escritura, é necessário afirmar que somente o texto autográfico dos documentos originais foi inspirado e manter a necessidade da crítica textual como meio de detectar quaisquer desvios que possam ter se infiltrado no texto durante o processo de sua transmissão. O veredicto dessa ciência é, entretanto, que os textos hebraicos e grego parecem estar surpreendentemente bem preservados, de modo que tempos amplo apoio para afirmar, junto com a Confissão de Westminster, uma providência especial de Deus nessa questão e em declarar que de modo algum a autoridade das Escrituras corre perigo devido ao fato de que as cópias que possuímos não estão totalmente livres de erros.

Semelhantemente, tradução alguma é perfeita, nem pode sê-;p, e todas as traduções são um passo adicional de distanciamento dos autographa. Porém, o veredicto da lingüística é que pelo menos os cristãos de língua inglesa estão muitíssimo bem servidos na atualidade com uma infinidade de traduções excelentes e não têm motivo para hesitar em concluir que a Palavra verdadeira de Deus está ao seu alcance. Aliás, em vista da freqüente repetição, nas Escrituras, dos principais assuntos de que elas tratam e também em vista do constante testemunho do Espírito Santo a respeito da Palavra e através dela, nenhuma tradução séria das Santas Escrituras chegará a de tal forma destruir seu sentido, a ponto de tornar inviável que elas façam o seu leitor "sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2 Tm 3.15).

Inerrância e Autoridade

Ao confiarmos que a autoridade das Escrituras envolve a verdade total da Bíblia, estamos conscientemente nos posicionando ao lado de Cristo e de Seus apóstolos, aliás, ao lado da Bíblia inteira e da principal vertente da história da igreja, desde os primeiros dias até bem recentemente. Estamos preocupados com a maneira casual, inadvertida e aparentemente impensada como uma crença de importância e alcance tão vastos foi por tantas pessoas abandonada em nossos dias.

Também estamos cônscios de que uma grande e grave confusão é resultado de parar de afirmar a total veracidade da Bíblia, cuja autoridade as pessoas professam conhecer. O resultado de dar esse passo é que a Bíblia que Deus entregou perde sua autoridade e, no lugar disso, o que tem autoridade é uma Bíblia com o conteúdo reduzido de acordo com as exigências do raciocínio crítico das pessoas, sendo que, a partir do momento em que a pessoa deu início a essa redução, esse conteúdo pode em princípio ser reduzido mais e mais. Isto significa que, no fundo, a razão independente possui atualmente a autoridade, em oposição ao ensino das Escrituras. Se isso não é visto e se, por enquanto, ainda são sustentadas as doutrinas evangélicas fundamentais, as pessoas que negam a total veracidade das Escrituras podem reivindicar uma identidade com os evangélicos, ao mesmo tempo em que, metodologicamente, se afastaram da posição evangélica acerca do conhecimento para um subjetivismo instável, e não acharão difícil ir ainda mais longe.
Afirmamos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz. Que Ele seja glorificado. Amém e amém.

Retirado do apêndice do livro "O ALICERCE DA AUTORIDADE BÍBLICA", James Montgomery Boice, Páginas 183 a 196, Editado por: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, Edição: 1989, Reimpressão 1997.

O Perigo da Inerrância da Bíblia

por C. Michael Patton

Traduzido e adaptado por Wagner Kaba

Greg Jones era um cristão evangélico, ativo em sua igreja, um pregador regular, professor e membro do Conselho Administrativo. Ele diz que era “viciado” no fundamentalismo. Ele dormia, comia e bebia as verdades do Cristianismo. Após uma década de serviço fiel à igreja, ele é agora um ateu professo que rejeita a “ingenuidade” de tudo aquilo a que se agarrava tão apaixonadamente. Por quê? Bem, de acordo com sua história, ele conta que foi despertado de seu sono fundamentalista através de muitos encontros com “a verdade”. O maior desses encontros foi quando ele finalmente percebeu que a Bíblia estava “cheia de erros”. Ele descreve sua reviravolta relatando as discrepâncias que encontrou nas Escrituras e sua incapacidade de conseguir conciliá-las. “Por algum tempo”, ele conta, “eu era o melhor em responder ao cético com relação a qualquer objeção que ele pudesse levantar contra as Escrituras. Eu sabia como conciliar qualquer suposta contradição. Isto se tornou uma arte da qual eu era orgulhoso. Não importa quão difícil fosse o problema, eu poderia encontrar uma saída. Depois de um tempo, eu não sei o porquê, mas comecei a refletir sobre a distância que eu tinha de percorrer para fazer com que tudo se encaixasse. Percebi que a ‘arte’ de responder contradições havia se tornado uma cortina de fumaça que eu levantava não apenas aos que eu respondia, mas também à mim mesmo. Eu tinha que ser honesto comigo mesmo. João diz ‘Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado’, e então dá meia-volta e diz ’se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai’. Qual é a verdade? Há literalmente centenas de problemas como este nas Escrituras. Minhas respostas podem ter satisfeito quem eu ensinei, mas elas não me satisfazem mais. Eventualmente eu percebi (tristemente, eu poderia dizer) que eu deveria abandonar a inerrância das Escrituras. Uma vez que fiz isto, eu tive que abandonar Cristo” (adaptado de uma história verdadeira).

Esta descrição é um testemunho comum de muitos que abandonaram a fé. Mas este texto não é sobre abandonar a fé em si, mas sobre os perigos da doutrina da inerrância. Quando Greg rejeitou a doutrina da inerrância por causa de sua incapacidade de conciliar as discrepâncias, isto significa necessariamente que ele deveria abandonar a fé? Será que a doutrina da inerrância é tão central à fé Cristã que se alguém negá-la, ele deverá arrumar suas malas e procurar por outra cosmovisão? Em outras palavras (e deixe-me ser bem claro), se as Escrituras não são inerrantes, isto significa que a fé cristã é falsa?

Muitos de vocês sabem que creio na doutrina da inerrância. Não apenas isso, mas eu creio na Declaração de Chicago de Inerrância Bíblica (um documento muito conservador). A cada ano eu assino o formulário requerido para membresia da Sociedade Teológica Evangélica, reafirmando minha crença de que as Escrituras, em seus autógrafos, não possuem nenhum erro qualquer - histórico, científico ou teológico.

Dito isto, eu creio que esta doutrina, enquanto importante, não é o artigo pelo qual o Cristianismo sobrevive ou sucumbe. Eu creio que as Escrituras poderiam conter erros e a fé Cristã continuaria essencialmente intacta. Por quê? Porque o Cristianismo não é construído sobre a inerrância das Escrituras, mas sobre o advento histórico de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Cristo por causa do homem, viveu uma vida perfeita, morreu a morte expiatória e ressuscitou no terceiro dia não porque as Escrituras dizem que esses eventos ocorreram, mas porque eles ocorreram de fato. a verdade está na objetividade do evento, não na acurácia do registro do evento. A causa e o efeito devem ser colocados em seus devidos lugares aqui. O evento histórico da incarnação causou o registro das Escrituras, a Escritura não foi a causa dos eventos. Novamente, o Cristianismo é fundado sobre o Advento, não sobre o registro inerrante do Advento.

Pense nisto: nós confiamos apenas nos registros históricos de relatos que que tiveram uma testemunha inerrante? Seriam as histórias antigas inerrantes? Eu nunca ouvi alguém dizer que Polybius (200-118 a.C.) foi inerrante em seus registros da história Romana, e mesmo assim nós o tratamos como essencialmente confiável. Da mesma forma, Josefo (37-93 d.C.) é visto como um historiador Judeu essencialmente confiável, mas não inerrante. Aqueles que escrevem livros de história para as nossas escolas hoje não precisam entregar um currículo com credenciais de inerrância antes de serem aprovados pelos editores para escreverem livros de história de alto nível, precisam? Não. Por quê? Porque é um entendimento bem aceito que as pessoas podem dar um testemunho confiável e seguro, mesmo que não sejam inerrantes. Imagine que sigamos o exemplo de Greg na história acima. Uma vez que encontrarmos uma discrepância em qualquer trabalho, isso torna todo o trabalho indigno de confiança. Se este fosse o nosso método de busca histórica, nos tornaríamos completamente agnósticos de toda história. Nós termináriamos dizendo que todos os trabalhos escritos por historiadores do passado são completas mentiras e invenções, porque elas não são inerrantes.

Felizmente, este não é o dilema que nos é apresentado no entendimento da históra (ou qualquer outra disciplina). Entendemos que as pessoas, enquanto errantes, podem nos oferecer relatos essencialmente confiáveis. Aqueles que ocupam cargos como professores universitários, cientistas, engenheiros, historiadores, matemáticos, políticos, e em qualquer outra carreira, devem crer na confiabilidade genérica de testemunhos de outros indivíduos errantes.

Vamos utilizar esta mesma postura com relação às Escrituras por um momento. Vamos assumir que as Escrituras não são inerrantes. (Por favor, ao menos tente fazer isto junto comigo!). Vamos dar um passo além e dizer que as Escrituras não são ao menos inspiradas. Aqui está a situação: as Escrituras são uma coleção de 66 registros históricos antigos, fornecidos através de vários tipos de literatura. Os registros, como qualquer outro registro, podem conter erros históricos, científicos ou de outros tipos. Nesta linha de raciocínio, digamos que João realmente cometeu um erro sobre o número de mulheres que apareceram na tumba de Jesus após sua ressurreição. Será que isto significa que o testemunho de João é inteiramente falso? Será que isto significa que todo o testemunho de João é falso em cada detalhe? É claro que não! Qualquer historiador que seguisse esta metodologia rapidamente perderia o seu emprego, pois ele não teria mais fontes para sua pesquisa. Se as Escrituras fossem como qualquer outro registro da história com pequenas discrepâncias, então isto não justificaria uma rejeição total dos eventos que eles registram. Sua credibilidade está baseada na assunção de confiabilidade histórica genérica evidenciada através das regras de pesquisa histórica - as quais não incluem um critério de inerrância.

Deixe-me dar um passo além. O fato é que não necessitamos nem mesmo das Escrituras para que o Cristianismo seja verdadeiro. Lembre-se, a cosmovisão cristã é Cristocêntrica (centrada no Advento de Cristo), não bibliocêntrica (centrada na Bíblia). É por causa da graça de Deus que temos registros da morte, enterro e ressurreição de Cristo. Mas se por alguma razão Deus resolvesse suster sua graça e não registrasse tais eventos nas Escrituras, isso significaria que tais acontecimentos não ocorreram? Claro que não. A morte de Cristo, seu enterro e sua ressurreição são eventos históricos que aconteceram independentemente do fato de termos ou não registros inspirados.

Você poderia perguntar-me, como poderíamos saber sobre a morte, enterro e ressurreição de Cristo se eles não tivessem sido registrados? Esta é uma boa questão, mas primeiro você tem que conceder este próximo passo. Não é apenas verdade que o Cristianismo não é dependente da inerrância, inspiração e registro dos eventos, mas ele também não é dependente de nosso conhecimento dos eventos. Teoricamente falando, Deus poderia ter enviado seu Filho para morrer pelo mundo e ressuscitar da tumba e não ter contado para ninguém que o Cristianismo continuaria sendo verdadeiro. O ponto é que o Cristianismo permanece ou sucumbe diante da verdade histórica do Advento do Filho de Deus, não pelo registro desses eventos através das Escrituras. Como Deus decidiria comunicar esses eventos, se ele escolhesse fazer o mesmo, não vem ao caso. Eu suponho que Ele poderia ter usado a tradição não-escrita, o testemunho de anjos, sonhos e visões, ou encontros diretos.

Agora, falando apologeticamente, não há nenhuma razão qualquer para alguém rejeitar a confiabilidade histórica genérica das Escrituras apresentadas desta forma. Se alguém fosse aceitar os Evangelhos, por exemplo, como qualquer escrito histórico, então ele deveria de ser persuadido da morte, enterro e ressurreição de Jesus de Nazaré baseado na pesquisa histórica honesta e sólida. Se não, sua metodologia é falha por pressuposições injustificáveis como a impossibilidade de milagres.

Porque Greg se sentiu compelido a rejeitar completamente o Cristianismo por causa de alguns supostos erros? Porque isto é o que lhe foi ensinado por cristãos conservadores bem intencionados. Eu acredito que nós, muitas vezes em nosso zelo pelas Escrituras, criamos um falso dilema sugerindo que a crença na inerrância e a rejeição total da mensagem do Cristianismo são as duas únicas opções. Estas não são as duas únicas opções. As Escrituras podem ser registros históricos confiáveis de forma genérica e a fé Cristã continuaria sendo verdadeira.

Para aqueles de vocês que possuem conflitos ou rejeitam a doutrina da inerrância, enquanto eu acredito que estejam errados, isso não significa que tenham fundamentos para rejeitar a historicidade da morte, enterro e ressurreição do Filho de Deus como registrado nas Escrituras. Existem 27 documentos antigos que possuem credibilidade histórica que precisam ser referenciados assim como qualquer outro documento antigo (para não mencionar o testemunho de dúzias de documentos históricos do primeiro e do segundo século que não estão incluídos no cânon do Novo Testamento). Se você rejeita o Cristianismo baseado na crença da errância destes documentos então você deve rejeitar também todos os registros da história antiga.

Para aqueles de vocês que acreditam na inspiração e na inerrância, suas crenças estão sobre chão firme (veja aqui vídeos em defesa da ispiração e da inerrância). Mas, por favor, tomem cuidado para não criarem um falso dilema relativo a uma aderência estrita às doutrinas evangélicas. Enquanto a autoridade da palavra de Deus é de central importância, o Cristianismo é Cristocêntrico, não bibliocêntrico. Cristo ainda é Senhor, mesmo que as Escrituras nunca houvessem sido escritas.

Qual é o perigo da inerrância? Transformá-la na doutrina pela qual o Cristianismo sobrevive ou sucumbe.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Se eu Acredito na Doutrina da Inerrância? Depende...

por C. Michael Patton

Traduzido e adaptado por Wagner Kaba

Eu acredito na inerrância [da Bíblia]. Mas talvez não como você a defina. Não, eu não estou tentando redefinir nada, mas o fato é que quando se vem a este assunto há todo um espectro de crenças daqueles que confessam a doutrina. Eu tenho certeza, de que há pessoas que veriam minha visão da inerrância como uma concessão liberal.

Eu me lembro de que quando comecei a ler os Evangelhos eu estava bem confuso sobre as repetições das histórias de Cristo. Eu estava mais confuso quando pareciam haver muitos lugares onde o mesmo evento era contado de diferentes maneiras, usando palavras diferentes, e algumas vezes com diferentes pessoas envolvidas. Tanto no caso do encontro de Cristo com dêmonios (Lucas 18.27; Mateus 8.28) ou no caso das palavras escritas sobre a cruz (Marcos 15.26; Marcos 19.19), haviam diferenças. Percebi que as diferenças desse tipo eram as principais críticas que os céticos usavam quando atacavam a confiabilidade das Escrituras ou a verdade do Cristianismo. Isto me perturbava. Se a Bíblia era inspirada, estas diferenças não deveriam estar ali. A Bíblia não era inerrante? Se ela é, então não poderiam haver discrepâncias. Como Deus poderia ter errado? Assim que eu procurei por respostas, encontrei conforto inicial naqueles que explicavam estas “discrepâncias” de algumas formas bem criativas. Muitos diziam que os relatos paralelos os quais eu estava encontrando problemas não eram realmente relatos paralelos. Eles consistiam de diferentes encontros.
Esses tipos de explicações satisfizeram-me naquele tempo. Eu, então, havia adotado sem saber uma posição estrita que eu chamo de “inerrância tecnicamente precisa”. Isto significa que todos os escritores das Escrituras, em virtude de sua maior fonte de conhecimentos (Deus), registraram tudo precisamente conforme ocorreu.

Mais tarde eu descobri que esta metodologia não era somente desnecessária mas era realmente proveniente, eu acredito, eu uma visão gnóstica das Escrituras. Eu estava enfatizando tanto o papel de Deus na escrita da Bíblia que o papel do homem não poderia ser encontrado. Mas se Deus usou o homem ao escrever as Escrituras e as Escrituras eram planejadas para o homem, será que Deus não usaria um meio comum de comunição que não requeresse precisão técnica ao comunicar eventos?

Resumindo uma longa história, eu passei a adotar uma visão que eu chamo de “inerrância racional”. “Inerrância racional” é uma definição de inerrância que reconhece o fato de que as Escrituras devem ser interpretadas de acordo com as regras de interpretação governadas pelo gênero, acomadação histórica, contexto, argumento e propósito. Em outras palavras, a necessidade moderna de que as coisas sejam tecnicamente precisas com relação às Escrituras, ironicamente adotada pelos ultra-conservadores e pelos céticos que buscam criticar a Bíblia, é apenas isso - uma necessidade moderna que produz uma apologética distorcida e uma hermenêutica falha.

Deixe-me definir a pressuposição falha da “visão da inerrância tecnicamente precisa”. A pressuposição é esta: todos os escritores da Bíblia, em virtude da inspiração divina e da inerrância, necessitam ter registrado tudo de uma maneira tecnicamente precisa”. Eu discordo desta pressuposição. Não acredito que a inspiração e a inerrância requeiram precisão técnica. Por que seria tão difícil crer que os autores das Escrituras usariam da liberdade em seus registros das narrativas dos Evangelhos? Será que usar de “liberdades” na maneira como uma pessoa narra um evento significa que ela está produzindo invenções ou mentiras? Será que as pessoas não podem contar a mesma história de diferentes formas e até mesmo matizar esta história de acordo com seus propósitos e mesmo assim mantê-la acurada?

Nós nunca colocaríamos estes tipos de limitações sobre as pessoas hoje. Os escritores dos Evangelhos apenas contaram a história de Cristo como repórteres entusiasmados das boas novas e comprometidos com a verdade que estavam reportando. Isto acontece todos os dias em nossos próprios sistemas de reportagens e não exigimos deles o fogo da precisão técnica.Vamos fazer um teste. Vamos pegar dois repórteres narrando as notícias. Iremos pegar dois relatos de repórteres sobre a recente advertência ao Irã quanto ao seu programa nuclear e ver como eles procedem.

Declaração oficial do presidente (não é real): “Estamos ganhando a guerra do terror. Os terroristas estão fugindo. Nós estamos lidando com cada nova ameaça de uma forma decisiva e única. Advertimos estes regimes que procuram produzir amas de destruição em massa que seus tempos são curtos e que é melhor que eles se submetam à vontade da coalizão ou irão encontrar sérias conseqüências”.

Repórter: Bill O´Reilly. Contexto: Debate concernendo se devemos voltar nossas atenções do Iraque para o Irã. Nuance: O´Reilly está defendendo o presidente contra um esquerdista que acredita que Bush não está focando na guerra certa. Declaração: "Você não está sendo justo. O presidente disse hoje que estamos lidando com cada situação individualmente e que sérias conseqüências irão acontecer aos insurgentes ainda que de maneiras diferentes".

Repare que O´Really expressou o discurso do presidente de forma verídica, mas com uma nuance apropriada para o momento. O´Reilly escolheu focar no fato de que o presidente disse que a ameaça será confrontada de diversas formas. Não há mentira no que O´Reilly comentou, embora, tecnicamente falando, não é exatamente o que o presidente disse e haja a nuance apropriada à intenção de O´Reilly.

Reporter: Sean Hannity. Contexto: Argumentando com Allen Colmes em relação ao envolvimento do presidente com outras nações no que Colmes acredita ser tendências americanas de independência para arrogantemente fazer ameaças sem o apoio de outras nações. Nuance: Hannity discorda de Colmes e é um ávido partidário de Bush. Declaração: “Você nem mesmo escuta ao presidente. Hoje ele disse que há uma coalizão de forças que irá trazer rápida destruição ao inimigo”.

Mais uma vez não temos uma declaração tecnicamente precisa do presidente, mas ela é verdadeira de qualquer forma. Hannity, neste caso, como O´Reilly, foca somente nas questões que são apropriadas para a sua causa e então dá uma nuance à declaração de acordo com seu próprio propósito. Seu propósito, enquanto mais focado do que o do presidente, não pode ser considerada longe da intenção original do presidente. Note particularmente que Hannity troca “conseqüências sérias” por “rápida destruição”. Alguns poderiam dizer que não se pode trocar a expressão ambigua “sérias conseqüências” para uma mais definida “rápida destruição”. Em alguns casos isto pode ser desnecessário, mas (e leia isto com cuidado) e se Hannity ouviu recentemente o presidente falar em outros contextos que a coalizão estava toda preparada para fazer o que for necessário no tempo certo? E se em outros discursos, ele escutou o presidente dizer que todos os que buscam armas de destruição em massa irão compartilhar o mesmo fim que o Iraque? Veja bem, Hannity pode conhecer o presidente bem o bastante para ler a intenção completa em seus discursos. Ele tem a liberdade de fazer isso, desde que represente a intenção do presidente acuradamente.

Isto é o mesmo que acontece nas Escrituras. Precisamos conceder aos autores bíblicos este direito. Precisamos permitir que eles tenham um propósito particular ao escreverem. Precisamos permitir este tipo de método de narrar as histórias matizado, livre, mas ainda acurado (inerrante). Esta liberdade é parte da inspiração. Acreditamos que a Bíblia envolve 100% de ação humana e 100% de ação divina, não acreditamos? Se não acreditamos, então podemos muito bem tirar o homem do quadro e admitirmos que aderimos ao ditado mecânico (a teoria de que Deus simplesmente usou as mãos dos autores ao escrever as Escrituras, mas não suas cabeças - algumas vezes esta teoria é chamada de docetismo bíblico). Se o ditado mecânico é verdadeiro, então não devemos nos preocupar para quem os autores estavam escrevendo e certamente não devemos nos preocupar com o porquê deles estarem escrevendo, já que seus motivos não influenciam a interpretação.

Alguns podem me acusar de aderir à “crítica de redação”. “Crítica de redação” é o método crítico de estudo que assume que os escritores dos Evangelhos alteraram os eventos envolvendo a vida de Cristo para adequarem aos seus propósitos. Eu entendo que algumas pessoas levaram este tipo de crítica de redação muito longe. Alguns chegaram ao ponto de negar a verdade do evento baseado no propósito do contexto. Mas isto não é o que estou fazendo. Eu apenas dei liberdade para os autores escreverem um relato acurado dos eventos, mesmo que não sejam tecnicamente precisos com as palavras ou com a estrutura. Portanto eu creio em um uso limitado da crítica de redação. Eu apenas não iria tão longe a ponto de dizer que os escritores da Bíblia produziram invenções, mesmo que eles tenham escolhido o que incluir devido às necessidades percebidas de suas audiências.

Eruditos referem-se a estas questões apontando a diferença entre ipsissima verba (as palavras exatas) e ipsissima vox (a voz exata). Os escritores registraram as palavras exatas de Cristo ou o espiríto da verdade que essas palavras representam? Eu diria que qualquer abordagem indutiva para chegar a um método hermenêutico irá exigir a segunda opção. Apenas se usarmos o método dedutivo a nossa teologia da inspiração demandará um nível estrito de precisão nas Escrituras para que seja verdadeira, e então adotaremos a primeira opção. Creio que demonstrei que isto não é somente desnecessário e ingênuo, mas enganador e perigoso.
Agora, tendo dito isto tudo, é importante para mim permitir o mesmo grau de justiça que espero receber de outros. Há bons eruditos que discordam de mim e são capazes de defenderem suas posições. Eu encorajo você a considerar suas visões pois possuem representação importante dentro do evangelicalismo.

Se eu acredito na inerrância? Se você quer dizer “inerrância tecnicamente precisa”, a resposta é não. Mas se você quer dizer “inerrância racional” que adere ao método hermenêutico de intenção do autor o que inclui a ipsissima vox, então a resposta é sim.