sábado, 19 de dezembro de 2009

O Perigo da Inerrância da Bíblia

por C. Michael Patton

Traduzido e adaptado por Wagner Kaba

Greg Jones era um cristão evangélico, ativo em sua igreja, um pregador regular, professor e membro do Conselho Administrativo. Ele diz que era “viciado” no fundamentalismo. Ele dormia, comia e bebia as verdades do Cristianismo. Após uma década de serviço fiel à igreja, ele é agora um ateu professo que rejeita a “ingenuidade” de tudo aquilo a que se agarrava tão apaixonadamente. Por quê? Bem, de acordo com sua história, ele conta que foi despertado de seu sono fundamentalista através de muitos encontros com “a verdade”. O maior desses encontros foi quando ele finalmente percebeu que a Bíblia estava “cheia de erros”. Ele descreve sua reviravolta relatando as discrepâncias que encontrou nas Escrituras e sua incapacidade de conseguir conciliá-las. “Por algum tempo”, ele conta, “eu era o melhor em responder ao cético com relação a qualquer objeção que ele pudesse levantar contra as Escrituras. Eu sabia como conciliar qualquer suposta contradição. Isto se tornou uma arte da qual eu era orgulhoso. Não importa quão difícil fosse o problema, eu poderia encontrar uma saída. Depois de um tempo, eu não sei o porquê, mas comecei a refletir sobre a distância que eu tinha de percorrer para fazer com que tudo se encaixasse. Percebi que a ‘arte’ de responder contradições havia se tornado uma cortina de fumaça que eu levantava não apenas aos que eu respondia, mas também à mim mesmo. Eu tinha que ser honesto comigo mesmo. João diz ‘Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado’, e então dá meia-volta e diz ’se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai’. Qual é a verdade? Há literalmente centenas de problemas como este nas Escrituras. Minhas respostas podem ter satisfeito quem eu ensinei, mas elas não me satisfazem mais. Eventualmente eu percebi (tristemente, eu poderia dizer) que eu deveria abandonar a inerrância das Escrituras. Uma vez que fiz isto, eu tive que abandonar Cristo” (adaptado de uma história verdadeira).

Esta descrição é um testemunho comum de muitos que abandonaram a fé. Mas este texto não é sobre abandonar a fé em si, mas sobre os perigos da doutrina da inerrância. Quando Greg rejeitou a doutrina da inerrância por causa de sua incapacidade de conciliar as discrepâncias, isto significa necessariamente que ele deveria abandonar a fé? Será que a doutrina da inerrância é tão central à fé Cristã que se alguém negá-la, ele deverá arrumar suas malas e procurar por outra cosmovisão? Em outras palavras (e deixe-me ser bem claro), se as Escrituras não são inerrantes, isto significa que a fé cristã é falsa?

Muitos de vocês sabem que creio na doutrina da inerrância. Não apenas isso, mas eu creio na Declaração de Chicago de Inerrância Bíblica (um documento muito conservador). A cada ano eu assino o formulário requerido para membresia da Sociedade Teológica Evangélica, reafirmando minha crença de que as Escrituras, em seus autógrafos, não possuem nenhum erro qualquer - histórico, científico ou teológico.

Dito isto, eu creio que esta doutrina, enquanto importante, não é o artigo pelo qual o Cristianismo sobrevive ou sucumbe. Eu creio que as Escrituras poderiam conter erros e a fé Cristã continuaria essencialmente intacta. Por quê? Porque o Cristianismo não é construído sobre a inerrância das Escrituras, mas sobre o advento histórico de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Cristo por causa do homem, viveu uma vida perfeita, morreu a morte expiatória e ressuscitou no terceiro dia não porque as Escrituras dizem que esses eventos ocorreram, mas porque eles ocorreram de fato. a verdade está na objetividade do evento, não na acurácia do registro do evento. A causa e o efeito devem ser colocados em seus devidos lugares aqui. O evento histórico da incarnação causou o registro das Escrituras, a Escritura não foi a causa dos eventos. Novamente, o Cristianismo é fundado sobre o Advento, não sobre o registro inerrante do Advento.

Pense nisto: nós confiamos apenas nos registros históricos de relatos que que tiveram uma testemunha inerrante? Seriam as histórias antigas inerrantes? Eu nunca ouvi alguém dizer que Polybius (200-118 a.C.) foi inerrante em seus registros da história Romana, e mesmo assim nós o tratamos como essencialmente confiável. Da mesma forma, Josefo (37-93 d.C.) é visto como um historiador Judeu essencialmente confiável, mas não inerrante. Aqueles que escrevem livros de história para as nossas escolas hoje não precisam entregar um currículo com credenciais de inerrância antes de serem aprovados pelos editores para escreverem livros de história de alto nível, precisam? Não. Por quê? Porque é um entendimento bem aceito que as pessoas podem dar um testemunho confiável e seguro, mesmo que não sejam inerrantes. Imagine que sigamos o exemplo de Greg na história acima. Uma vez que encontrarmos uma discrepância em qualquer trabalho, isso torna todo o trabalho indigno de confiança. Se este fosse o nosso método de busca histórica, nos tornaríamos completamente agnósticos de toda história. Nós termináriamos dizendo que todos os trabalhos escritos por historiadores do passado são completas mentiras e invenções, porque elas não são inerrantes.

Felizmente, este não é o dilema que nos é apresentado no entendimento da históra (ou qualquer outra disciplina). Entendemos que as pessoas, enquanto errantes, podem nos oferecer relatos essencialmente confiáveis. Aqueles que ocupam cargos como professores universitários, cientistas, engenheiros, historiadores, matemáticos, políticos, e em qualquer outra carreira, devem crer na confiabilidade genérica de testemunhos de outros indivíduos errantes.

Vamos utilizar esta mesma postura com relação às Escrituras por um momento. Vamos assumir que as Escrituras não são inerrantes. (Por favor, ao menos tente fazer isto junto comigo!). Vamos dar um passo além e dizer que as Escrituras não são ao menos inspiradas. Aqui está a situação: as Escrituras são uma coleção de 66 registros históricos antigos, fornecidos através de vários tipos de literatura. Os registros, como qualquer outro registro, podem conter erros históricos, científicos ou de outros tipos. Nesta linha de raciocínio, digamos que João realmente cometeu um erro sobre o número de mulheres que apareceram na tumba de Jesus após sua ressurreição. Será que isto significa que o testemunho de João é inteiramente falso? Será que isto significa que todo o testemunho de João é falso em cada detalhe? É claro que não! Qualquer historiador que seguisse esta metodologia rapidamente perderia o seu emprego, pois ele não teria mais fontes para sua pesquisa. Se as Escrituras fossem como qualquer outro registro da história com pequenas discrepâncias, então isto não justificaria uma rejeição total dos eventos que eles registram. Sua credibilidade está baseada na assunção de confiabilidade histórica genérica evidenciada através das regras de pesquisa histórica - as quais não incluem um critério de inerrância.

Deixe-me dar um passo além. O fato é que não necessitamos nem mesmo das Escrituras para que o Cristianismo seja verdadeiro. Lembre-se, a cosmovisão cristã é Cristocêntrica (centrada no Advento de Cristo), não bibliocêntrica (centrada na Bíblia). É por causa da graça de Deus que temos registros da morte, enterro e ressurreição de Cristo. Mas se por alguma razão Deus resolvesse suster sua graça e não registrasse tais eventos nas Escrituras, isso significaria que tais acontecimentos não ocorreram? Claro que não. A morte de Cristo, seu enterro e sua ressurreição são eventos históricos que aconteceram independentemente do fato de termos ou não registros inspirados.

Você poderia perguntar-me, como poderíamos saber sobre a morte, enterro e ressurreição de Cristo se eles não tivessem sido registrados? Esta é uma boa questão, mas primeiro você tem que conceder este próximo passo. Não é apenas verdade que o Cristianismo não é dependente da inerrância, inspiração e registro dos eventos, mas ele também não é dependente de nosso conhecimento dos eventos. Teoricamente falando, Deus poderia ter enviado seu Filho para morrer pelo mundo e ressuscitar da tumba e não ter contado para ninguém que o Cristianismo continuaria sendo verdadeiro. O ponto é que o Cristianismo permanece ou sucumbe diante da verdade histórica do Advento do Filho de Deus, não pelo registro desses eventos através das Escrituras. Como Deus decidiria comunicar esses eventos, se ele escolhesse fazer o mesmo, não vem ao caso. Eu suponho que Ele poderia ter usado a tradição não-escrita, o testemunho de anjos, sonhos e visões, ou encontros diretos.

Agora, falando apologeticamente, não há nenhuma razão qualquer para alguém rejeitar a confiabilidade histórica genérica das Escrituras apresentadas desta forma. Se alguém fosse aceitar os Evangelhos, por exemplo, como qualquer escrito histórico, então ele deveria de ser persuadido da morte, enterro e ressurreição de Jesus de Nazaré baseado na pesquisa histórica honesta e sólida. Se não, sua metodologia é falha por pressuposições injustificáveis como a impossibilidade de milagres.

Porque Greg se sentiu compelido a rejeitar completamente o Cristianismo por causa de alguns supostos erros? Porque isto é o que lhe foi ensinado por cristãos conservadores bem intencionados. Eu acredito que nós, muitas vezes em nosso zelo pelas Escrituras, criamos um falso dilema sugerindo que a crença na inerrância e a rejeição total da mensagem do Cristianismo são as duas únicas opções. Estas não são as duas únicas opções. As Escrituras podem ser registros históricos confiáveis de forma genérica e a fé Cristã continuaria sendo verdadeira.

Para aqueles de vocês que possuem conflitos ou rejeitam a doutrina da inerrância, enquanto eu acredito que estejam errados, isso não significa que tenham fundamentos para rejeitar a historicidade da morte, enterro e ressurreição do Filho de Deus como registrado nas Escrituras. Existem 27 documentos antigos que possuem credibilidade histórica que precisam ser referenciados assim como qualquer outro documento antigo (para não mencionar o testemunho de dúzias de documentos históricos do primeiro e do segundo século que não estão incluídos no cânon do Novo Testamento). Se você rejeita o Cristianismo baseado na crença da errância destes documentos então você deve rejeitar também todos os registros da história antiga.

Para aqueles de vocês que acreditam na inspiração e na inerrância, suas crenças estão sobre chão firme (veja aqui vídeos em defesa da ispiração e da inerrância). Mas, por favor, tomem cuidado para não criarem um falso dilema relativo a uma aderência estrita às doutrinas evangélicas. Enquanto a autoridade da palavra de Deus é de central importância, o Cristianismo é Cristocêntrico, não bibliocêntrico. Cristo ainda é Senhor, mesmo que as Escrituras nunca houvessem sido escritas.

Qual é o perigo da inerrância? Transformá-la na doutrina pela qual o Cristianismo sobrevive ou sucumbe.