sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Se eu Acredito na Doutrina da Inerrância? Depende...

por C. Michael Patton

Traduzido e adaptado por Wagner Kaba

Eu acredito na inerrância [da Bíblia]. Mas talvez não como você a defina. Não, eu não estou tentando redefinir nada, mas o fato é que quando se vem a este assunto há todo um espectro de crenças daqueles que confessam a doutrina. Eu tenho certeza, de que há pessoas que veriam minha visão da inerrância como uma concessão liberal.

Eu me lembro de que quando comecei a ler os Evangelhos eu estava bem confuso sobre as repetições das histórias de Cristo. Eu estava mais confuso quando pareciam haver muitos lugares onde o mesmo evento era contado de diferentes maneiras, usando palavras diferentes, e algumas vezes com diferentes pessoas envolvidas. Tanto no caso do encontro de Cristo com dêmonios (Lucas 18.27; Mateus 8.28) ou no caso das palavras escritas sobre a cruz (Marcos 15.26; Marcos 19.19), haviam diferenças. Percebi que as diferenças desse tipo eram as principais críticas que os céticos usavam quando atacavam a confiabilidade das Escrituras ou a verdade do Cristianismo. Isto me perturbava. Se a Bíblia era inspirada, estas diferenças não deveriam estar ali. A Bíblia não era inerrante? Se ela é, então não poderiam haver discrepâncias. Como Deus poderia ter errado? Assim que eu procurei por respostas, encontrei conforto inicial naqueles que explicavam estas “discrepâncias” de algumas formas bem criativas. Muitos diziam que os relatos paralelos os quais eu estava encontrando problemas não eram realmente relatos paralelos. Eles consistiam de diferentes encontros.
Esses tipos de explicações satisfizeram-me naquele tempo. Eu, então, havia adotado sem saber uma posição estrita que eu chamo de “inerrância tecnicamente precisa”. Isto significa que todos os escritores das Escrituras, em virtude de sua maior fonte de conhecimentos (Deus), registraram tudo precisamente conforme ocorreu.

Mais tarde eu descobri que esta metodologia não era somente desnecessária mas era realmente proveniente, eu acredito, eu uma visão gnóstica das Escrituras. Eu estava enfatizando tanto o papel de Deus na escrita da Bíblia que o papel do homem não poderia ser encontrado. Mas se Deus usou o homem ao escrever as Escrituras e as Escrituras eram planejadas para o homem, será que Deus não usaria um meio comum de comunição que não requeresse precisão técnica ao comunicar eventos?

Resumindo uma longa história, eu passei a adotar uma visão que eu chamo de “inerrância racional”. “Inerrância racional” é uma definição de inerrância que reconhece o fato de que as Escrituras devem ser interpretadas de acordo com as regras de interpretação governadas pelo gênero, acomadação histórica, contexto, argumento e propósito. Em outras palavras, a necessidade moderna de que as coisas sejam tecnicamente precisas com relação às Escrituras, ironicamente adotada pelos ultra-conservadores e pelos céticos que buscam criticar a Bíblia, é apenas isso - uma necessidade moderna que produz uma apologética distorcida e uma hermenêutica falha.

Deixe-me definir a pressuposição falha da “visão da inerrância tecnicamente precisa”. A pressuposição é esta: todos os escritores da Bíblia, em virtude da inspiração divina e da inerrância, necessitam ter registrado tudo de uma maneira tecnicamente precisa”. Eu discordo desta pressuposição. Não acredito que a inspiração e a inerrância requeiram precisão técnica. Por que seria tão difícil crer que os autores das Escrituras usariam da liberdade em seus registros das narrativas dos Evangelhos? Será que usar de “liberdades” na maneira como uma pessoa narra um evento significa que ela está produzindo invenções ou mentiras? Será que as pessoas não podem contar a mesma história de diferentes formas e até mesmo matizar esta história de acordo com seus propósitos e mesmo assim mantê-la acurada?

Nós nunca colocaríamos estes tipos de limitações sobre as pessoas hoje. Os escritores dos Evangelhos apenas contaram a história de Cristo como repórteres entusiasmados das boas novas e comprometidos com a verdade que estavam reportando. Isto acontece todos os dias em nossos próprios sistemas de reportagens e não exigimos deles o fogo da precisão técnica.Vamos fazer um teste. Vamos pegar dois repórteres narrando as notícias. Iremos pegar dois relatos de repórteres sobre a recente advertência ao Irã quanto ao seu programa nuclear e ver como eles procedem.

Declaração oficial do presidente (não é real): “Estamos ganhando a guerra do terror. Os terroristas estão fugindo. Nós estamos lidando com cada nova ameaça de uma forma decisiva e única. Advertimos estes regimes que procuram produzir amas de destruição em massa que seus tempos são curtos e que é melhor que eles se submetam à vontade da coalizão ou irão encontrar sérias conseqüências”.

Repórter: Bill O´Reilly. Contexto: Debate concernendo se devemos voltar nossas atenções do Iraque para o Irã. Nuance: O´Reilly está defendendo o presidente contra um esquerdista que acredita que Bush não está focando na guerra certa. Declaração: "Você não está sendo justo. O presidente disse hoje que estamos lidando com cada situação individualmente e que sérias conseqüências irão acontecer aos insurgentes ainda que de maneiras diferentes".

Repare que O´Really expressou o discurso do presidente de forma verídica, mas com uma nuance apropriada para o momento. O´Reilly escolheu focar no fato de que o presidente disse que a ameaça será confrontada de diversas formas. Não há mentira no que O´Reilly comentou, embora, tecnicamente falando, não é exatamente o que o presidente disse e haja a nuance apropriada à intenção de O´Reilly.

Reporter: Sean Hannity. Contexto: Argumentando com Allen Colmes em relação ao envolvimento do presidente com outras nações no que Colmes acredita ser tendências americanas de independência para arrogantemente fazer ameaças sem o apoio de outras nações. Nuance: Hannity discorda de Colmes e é um ávido partidário de Bush. Declaração: “Você nem mesmo escuta ao presidente. Hoje ele disse que há uma coalizão de forças que irá trazer rápida destruição ao inimigo”.

Mais uma vez não temos uma declaração tecnicamente precisa do presidente, mas ela é verdadeira de qualquer forma. Hannity, neste caso, como O´Reilly, foca somente nas questões que são apropriadas para a sua causa e então dá uma nuance à declaração de acordo com seu próprio propósito. Seu propósito, enquanto mais focado do que o do presidente, não pode ser considerada longe da intenção original do presidente. Note particularmente que Hannity troca “conseqüências sérias” por “rápida destruição”. Alguns poderiam dizer que não se pode trocar a expressão ambigua “sérias conseqüências” para uma mais definida “rápida destruição”. Em alguns casos isto pode ser desnecessário, mas (e leia isto com cuidado) e se Hannity ouviu recentemente o presidente falar em outros contextos que a coalizão estava toda preparada para fazer o que for necessário no tempo certo? E se em outros discursos, ele escutou o presidente dizer que todos os que buscam armas de destruição em massa irão compartilhar o mesmo fim que o Iraque? Veja bem, Hannity pode conhecer o presidente bem o bastante para ler a intenção completa em seus discursos. Ele tem a liberdade de fazer isso, desde que represente a intenção do presidente acuradamente.

Isto é o mesmo que acontece nas Escrituras. Precisamos conceder aos autores bíblicos este direito. Precisamos permitir que eles tenham um propósito particular ao escreverem. Precisamos permitir este tipo de método de narrar as histórias matizado, livre, mas ainda acurado (inerrante). Esta liberdade é parte da inspiração. Acreditamos que a Bíblia envolve 100% de ação humana e 100% de ação divina, não acreditamos? Se não acreditamos, então podemos muito bem tirar o homem do quadro e admitirmos que aderimos ao ditado mecânico (a teoria de que Deus simplesmente usou as mãos dos autores ao escrever as Escrituras, mas não suas cabeças - algumas vezes esta teoria é chamada de docetismo bíblico). Se o ditado mecânico é verdadeiro, então não devemos nos preocupar para quem os autores estavam escrevendo e certamente não devemos nos preocupar com o porquê deles estarem escrevendo, já que seus motivos não influenciam a interpretação.

Alguns podem me acusar de aderir à “crítica de redação”. “Crítica de redação” é o método crítico de estudo que assume que os escritores dos Evangelhos alteraram os eventos envolvendo a vida de Cristo para adequarem aos seus propósitos. Eu entendo que algumas pessoas levaram este tipo de crítica de redação muito longe. Alguns chegaram ao ponto de negar a verdade do evento baseado no propósito do contexto. Mas isto não é o que estou fazendo. Eu apenas dei liberdade para os autores escreverem um relato acurado dos eventos, mesmo que não sejam tecnicamente precisos com as palavras ou com a estrutura. Portanto eu creio em um uso limitado da crítica de redação. Eu apenas não iria tão longe a ponto de dizer que os escritores da Bíblia produziram invenções, mesmo que eles tenham escolhido o que incluir devido às necessidades percebidas de suas audiências.

Eruditos referem-se a estas questões apontando a diferença entre ipsissima verba (as palavras exatas) e ipsissima vox (a voz exata). Os escritores registraram as palavras exatas de Cristo ou o espiríto da verdade que essas palavras representam? Eu diria que qualquer abordagem indutiva para chegar a um método hermenêutico irá exigir a segunda opção. Apenas se usarmos o método dedutivo a nossa teologia da inspiração demandará um nível estrito de precisão nas Escrituras para que seja verdadeira, e então adotaremos a primeira opção. Creio que demonstrei que isto não é somente desnecessário e ingênuo, mas enganador e perigoso.
Agora, tendo dito isto tudo, é importante para mim permitir o mesmo grau de justiça que espero receber de outros. Há bons eruditos que discordam de mim e são capazes de defenderem suas posições. Eu encorajo você a considerar suas visões pois possuem representação importante dentro do evangelicalismo.

Se eu acredito na inerrância? Se você quer dizer “inerrância tecnicamente precisa”, a resposta é não. Mas se você quer dizer “inerrância racional” que adere ao método hermenêutico de intenção do autor o que inclui a ipsissima vox, então a resposta é sim.